“Apesar de parecerem duas funções completamente autônomas, a gestão de projetos alimenta a gestão de produção que, por sua vez, realimenta a primeira para que o processo possa evoluir sempre. Mas, na maioria das vezes, acontecem conflitos nessa relação. É quando o projeto chega ‘quadrado’ para execução”, afirma a professora doutora Mercia Bottura de Barros, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).
Isto ocorre quando a produção fica a reboque do projeto que, por ser muito conceitual, não considera os processos próprios do canteiro.
“Ao ser recebido pela obra, o projeto precisa ser ‘digerido’ e, se não foram consideradas as características de produção, essa ‘digestão’ é difícil e demanda muito tempo. Muitas vezes, é um processo que causa ‘azia’”, diz a engenheira, que exemplifica: “acontece dos revestimentos cerâmicos ocuparem apenas uma linha no projeto, identificando a parede em que serão aplicados sem dizer o que vem antes, nem quais as espessuras e camadas necessárias para que seja feita a instalação. Ou seja, é uma linha totalmente conceitual. São poucos os projetistas que realmente planejam a produção”, diz.
Quando o empreendimento conta com consultores projetistas, existe uma melhoria. Porém, muitas vezes, ainda de maneira incompleta. “Cito um exemplo: existem consultores que dizem fazer o projeto de vedação ou o de alvenaria. Mas o que entregam à obra não passa de um projeto de paginação de blocos – algo que qualquer operário mais bem treinado poderia dividí-los no vão. Mas, se procurarmos no projeto a especificação da argamassa de assentamento do bloco ou as características de desempenho da alvenaria, como a resistência de aderência, elas não estarão lá. O projetista sabe que existe uma junta, mas como ela será produzida, o projeto não define, exigindo que a decisão seja tomada pelo canteiro.
Nesse cenário existem empresas que têm e outras que não têm um procedimento estabelecido. É comum que o engenheiro não tenha tempo de analisar tal procedimento”, comenta Mercia. “Isso, quando existem projetos específicos, porque na maioria das vezes os chamados projetos executivos são os de arquitetura, estrutura e instalação”.
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Outra dificuldade identificada pela professora na relação entre gestão de projetos e de produção é a forma de contratação dos projetistas. “Em muitos casos, ele é mal remunerado, por isso entrega o projeto como se fosse um produto e depois não vai à obra para acompanhar como está sendo executado. Ele não foi pago para fazer as visitas que, se fossem realizadas, permitiriam verificar se aquilo que ele pensou realmente é viável. Muita coisa é alterada na obra e o projetista não fica sabendo, até porque não existe um mecanismo de retorno”, afirma.
Para preencher a lacuna no relacionamento entre as duas gestões e a escassez de projetos que nascem com um olhar para a produção, começam a surgir no mercado profissionais que fazem a coordenação projeto/obra.
A proposta defendida por Mercia de Barros é que se tenha uma etapa de reprojeto, que ela explica com um exemplo: “O contrato de um projeto de fachada deveria incluir um reprojeto. O profissional realiza o primeiro como se a fachada fosse ideal, isto é, completamente alinhada e aprumada – hoje mais do que nunca, têm sido produzidas fachadas com grandes diferenças de prumo e alinhamento. Um projeto de revestimento de fachadas que não preveja a contratação do reprojeto das camadas, remete a solução para a gestão de produção”, afirma.
“Há empresas que definem os procedimentos a serem adotados uma vez constatado o desaprumo. Outras deixam a solução nas mãos de mestres e encarregados que nem sempre têm visão sistêmica para tomar a melhor decisão. A verdade é que são poucos os que fazem projeto e reprojeto de maneira sistemática”.
Ela lembra que os instaladores de elevadores definem a tolerância para o desaprumo e, se for maior, simplesmente não fazem a instalação. Isso está no contrato. “E todos tomam cuidado com a estrutura que receberá o elevador. Por que não tomamos mais cuidado na estrutura e na vedação que receberá as esquadrias e os revestimentos? Se houvesse mais cuidado na produção desses subsistemas, provavelmente o reprojeto seria desnecessário e a gestão da produção ocorreria sem sobressaltos”, comenta.
Mercia de Barros observa no mercado alguma evolução por parte de empresas que possuem equipe interna – que faz o projeto voltado para a produção. O desenvolvimento vai até um determinado limite de detalhamento para a montagem de um protótipo, em geral, do apartamento tipo, que será reproduzido em todo o edifício.
Os projetistas envolvidos são chamados para analisar, no protótipo, a viabilidade das soluções propostas, o que permite perceber as dificuldades do projeto e o quanto ele precisa ser melhorado. “Aí fica claro o conceito de que a obra realimenta o projeto”, comenta. Entretanto, são poucas as empresas que fazem isso de maneira organizada e os projetistas têm que ser remunerados para isso.
Para mitigar a distância entre projeto e canteiro, há 12 anos a Escola Politécnica da USP contribui com seu curso de pós-graduação em TGP – Tecnologia e Gestão na Produção de Edifícios voltado para engenheiros e arquitetos que almejam cargos como coordenação ou direção técnica de projetos e empreendimentos.
“Durante o curso, das 15 disciplinas ministradas apenas uma é de gestão de projetos. No entanto, praticamente todas as outras disciplinas que envolvem tecnologia ou gestão abordam o projeto voltado para a produção”, diz Mercia de Barros que coordena o curso junto com o professor Francisco Cardoso.
Ela explica que nas aulas de estrutura, por exemplo, os professores falam sobre a necessidade do projeto de fôrma e de como o seu uso vai auxiliar a produção – o conhecido projeto estrutural. Também são discutidos projeto e planejamento da concretagem.
Quando os profissionais entendem a função do projeto, eles podem atuar junto aos projetistas, solicitando as informações que precisam para que fôrma e armação sejam produzidas de maneira que se possa concretar com facilidade.
No curso de tecnologia de vedações, o aluno aprende a projetar para que possa contratar bem o projeto ou desenvolvê-lo com equipe própria, caso a empresa não o tenha contratado. “Assim, a produção só começará quando for previamente planejada. Eles saem capacitados para atuar durante todo o processo do projeto”, explica a professora, lembrando que estão abertas as inscrições para a 13ª turma de TGP.
Redação AECweb / Construmarket
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Mércia Bottura de Barros é graduada em Engenharia Civil pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com mestrado e doutorado em Engenharia de Construção Civil e Urbana pela Escola Politécnica (Poli) da Universidade de São Paulo (USP). Atualmente é professor doutor do Departamento de Engenharia de Construção Civil da Poli-USP.
Tem experiência na área de Engenharia de Construção Civil, participando do Grupo de ensino e Pesquisa em Tecnologia e Gestão da Produção de Edifícios. Atua também na área de reabilitação de edifícios com foco para as tecnologias e custos.
É pesquisadora da Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia (FDTE) e consultora da Associação Brasileira da Indústria de Materiais da Construção (ABRAMAT). É assessora ad hoc da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP).
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