Uma das especificidades na gestão de projetos de uma usina hidrelétrica (UHE) é o fato de ter poucos fornecedores, inclusive de projetos. “São poucas as empresas que desenvolvem os projetos básico e executivo, tanto para usinas hidrelétricas quanto eólicas ou termoelétricas – no máximo, sete em todo o país, incluindo as que realizam um trabalho pouco qualificado”, afirma Flávio Sohler, coordenador do MBA Gerenciamento de Obras, Tecnologia e Qualidade da Construção do Instituto de Pós-Graduação (Ipog).
É sabido que, em engenharia, quando se parte de um projeto básico e executivo deficiente ou com informações faltosas ou equivocadas, a execução da obra pode sair muito mais cara do que o planejado. No caso de usinas hidrelétricas, a falha no desenvolvimento do projeto acarreta perda de qualidade e de durabilidade da estrutura.
“Na fase de concessão, que varia entre 20 e 30 anos, é necessário gastar muito dinheiro para fazer a manutenção correta, devido ao uso de técnicas e materiais construtivos duvidosos”, diz o coordenador. E explica: “Na Eletrobrás, por exemplo, fizemos um levantamento de riscos em 2007/2008 de todas as empresas da holding. E chegamos a 116 principais riscos estratégicos”, revela.
Falhas na fase de projeto também estão na raiz do corriqueiro atraso nas obras de infraestrutura no Brasil, gerando um custo maior do que o planejado. “Quando a obra de uma UHE atrasa, ocorre uma série de impactos como perda de receita, multa aplicada pela ANEEL, a compra de energia no mercado paralelo para honrar com os compromissos assumidos e perda de imagem. A consequência dos atrasos é muito pesada e o aumento de custos é enorme”, afirma Sohler.
Gestão complexa de projetos de UHE
Quando a obra de uma UHE atrasa, ocorre uma série de impactos como perda de receita, multa aplicada pela ANEEL, compra de energia no mercado paralelo para honrar com os compromissos assumidos e perda de imagem. A consequência dos atrasos é muito pesada e o aumento de custos é enorme
Ao se construir uma UHE é preciso ter uma visão holística do empreendimento e da sinergia das partes, diz o coordenador. “E também ter bons gestores de projetos. Uma UHE é um projeto grande, o que chamamos de programa, como o da Usina de Belo Monte. Ele é dividido em vários subprojetos e cada um é gerenciado por um gestor de projeto que se reporta ao gestor do programa”.
“Em uma obra desse tipo pode haver uma estrada de ferro que passa pelas imediações da usina, o desvio de um rio, a obra da ensecadeira, da barragem, da casa de força e a instalação de todos os equipamentos, e cada projeto desses tem um responsável, que é o gerente de projeto. O grande desafio do gerente do programa é exatamente fazer com que as partes interajam, se comuniquem e escalem os problemas”, explica.
Riscos x Comunicação
Para Sohler, é possível mitigar os riscos de atrasos nessas obras através de reuniões semanais para o acompanhamento de todos os projetos, onde cada subgerente apresenta a sua parte, em relação a cronograma e custo, a situação atual e quais são as maiores dificuldades.
De acordo com ele, em uma planilha de comunicação do projeto são elencados todos os problemas e os riscos escalados de acordo com os níveis. “A cor verde, por exemplo, demonstra que é um problema que está quase resolvido ou já foi resolvido. Já a cor amarela é sinal de atenção, cuidado, indicando que essa situação pode virar crítica. E há ainda a cor vermelha, que é quando o risco já independe do gestor do projeto – ou seja, a decisão não está mais em suas mãos”.
“É o caso, por exemplo, da liberação da licença ambiental pelo Ibama ou de uma licença fundiária que não vem. São problemas externos que afetam o empreendimento, mas que o gestor de projetos não poderá resolver. Ele já fez o relatório de impacto ambiental, já entregou para o Ibama e o órgão está demorando para fazer a análise. Nessa situação, é preciso passar o problema para os superiores, porque ultrapassou a questão técnica de resolução de problemas. Esse assunto acaba sendo transferido para o presidente da empresa, que vai conversar com o ministro das Minas e Energias, que, por sua vez, poderá lançar mão do ministro do Meio Ambiente”.
Passo a passo para um projeto de UHE
Para a construção de uma usina hidrelétrica, segundo o coordenador, é necessário que as empresas interessadas – normalmente, consórcio ou sociedade de propósito específico, formados por companhias privadas e estatais –, já tenham feito um contato prévio com a construtora para saber qual o custo para a realização do projeto.
“A construtora irá fazer um projeto pré-básico. E, somente depois que tiver o vencedor do leilão, o consórcio vencedor irá contratar um projetista para a criação do projeto básico. Nele estão contidas as informações básicas do empreendimento como, por exemplo, toda a parte de construção civil, que é sempre a mesma, variando a quantidade de terra movimentada, solo e rocha, dimensões e potência do empreendimento. As outras áreas existentes em uma UHE são as instalações eletromecânica, geração e transmissão que, normalmente, possuem equipes diferentes”.
Depois do projeto básico, é o momento de fazer o projeto executivo, detalhado com informações de todas as atividades – construção civil, casa de força, linha de transmissão, subestação, instalação de equipamentos e toda a parte eletromecânica, entre outras.
“Tudo isso será detalhado dentro dos cronogramas. O projeto executivo deve ter todas as atividades do projeto, o escopo, o cronograma, planilhas de custo que precisam ser planejadas etc. O ideal é minuciar toda a construção para o momento de executar o empreendimento. E à medida que o projeto executivo vai sendo feito, começa o terceiro tipo de projeto, que é o as built, ou, como construído: é tudo o que está sendo feito no empreendimento e que vai se tornando o projeto ‘como construído’. Ou seja, o que realmente está sendo realizado na obra, na maioria das vezes, é diferente do que estava previsto no projeto executivo”, diz Sohler.
Cronograma
O grande desafio do gerente do programa é exatamente fazer com que as partes interajam, se comuniquem e escalem os problemas
Apesar de a construção de uma UHE não envolver tantos fornecedores quanto as obras residenciais e comerciais, o cronograma de uma UHE é bastante complexo, devido também ao tempo para a conclusão do projeto, que dura, em média, dependendo do porte da usina, de cinco a sete anos.
“Em uma obra do interior do Rio de Janeiro, por exemplo, divisa com Minas Gerais, o desvio de um rio é comandado por uma empresa. Outra é responsável pela construção da usina enquanto outra pela linha de transmissão, e por aí vai. Assim, por exemplo, não adianta construir a ensecadeira, se ainda não foi feito o desvio do rio. É preciso juntar todas essas empresas e organizar as informações em um cronograma máster, controlado pelo gerente do programa”, afirma o coordenador.
A escolha dos fornecedores é regrada pela lei 8666 – contrato de licitações das estatais – através de leilão ou licitação. “Priorizamos as licitações por técnica e preço, o que é melhor porque a técnica também é pontuada e são levados em consideração a experiência da empresa, quantos projetos possuem daquele porte, entre outros quesitos. Mas, às vezes, a compra é baseada somente no melhor preço, o que acarreta equívocos, atrasos e todos os demais problemas”, explica.
Sohler ilustra, dizendo que se for contratada uma empresa de fora do Brasil e houver problema na alfândega do país de origem do fornecedor, haverá atraso na entrega dos equipamentos e materiais. “Assim, a atenção e cuidado na hora de fazer as licitações, para que haja menos riscos, é cada vez mais maior. Entretanto, é quase impossível fazer uma licitação que não tenha nenhuma brecha”, comenta.
O professor reforça o papel da gestão de projetos, que permite ainda o ganho em competitividade, à medida que os profissionais acabam sendo mais produtivos, minimizando o retrabalho. “Por exemplo, temos o SAP que é o sistema corporativo. Nele existe o modo PS, que é o modo de gerência de projetos onde consta uma EAP – (estrutura analítica de projetos) padrão para cada gerência de projeto”.
“Como todos os projetos de usinas hidrelétricas começam da mesma forma, ao se iniciar uma nova construção, ao invés do gestor de projetos começar do zero, são usadas as EAPs padrões onde constam cerca de 150 atividades. E, somente depois, são inseridas na EAP padrão as particularidades daquela obra. Não é preciso inventar a roda quando ela já existe”, conclui o coordenador.
Redação AECweb / Construmarket
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Colaborou para esta matéria:
Flavio Augusto Settimi Sohler – Engenheiro Civil e Mestre em Engenharia de Produção pela PUC-RJ, MBA em Project Finance pela USP. Doutor em Psicologia Organizacional pela PUC-GO. Possui as certificações do Project Management Institute (PMI) como Project Management Professional (PMP) e Risk Management Professional (RMP). Membro do “Project Management Institute” (PMI) e do comitê de elaboração da ABNT-NBR 31000 de Riscos. Coordenador e Professor do Instituto de Pós-Graduação (IPOG) no MBA de Gestão de Projetos para Engenharias e Arquitetura; MBA Gerenciamento de Obras, Tecnologia e Qualidade da Construção e MBA Projeto, Execução e Controle de Estruturas e Fundações.