Gestão de Projetos na Construção Civil

Projeto complexo exige novo olhar sobre as relações sociais

Aloysio Vianna Junior, professor da disciplina ‘Complexidade em Gerenciamento de Projetos’, do Curso de Gerenciamento Avançado de Projetos da FGV – Fundação Getúlio Vargas –, começa a entrevista explicando que o assunto “complexo” surgiu no cenário científico na década de 1960, com um pesquisador que trabalhava com meteorologia. “Foi por conta do estudo de meteorologia que se chegou ao termo ‘complexidade’. A palavra é muito antiga, mas, como nós estamos usando na área de projetos, ela tem a ver com a dificuldade que temos de prever o futuro. E a primeira vez que esse assunto foi trazido para a área de gerenciamento de projetos foi justamente na área de construção civil”.

De acordo com Vianna Junior, há 20 anos, o pesquisador australiano David Baccarini estudou a complexidade na construção civil, mas sob o ponto de vista da obra. Ele concluiu que a obra pode ser complexa por ser muito grande ou quando tem muitas disciplinas interdependentes. Ou seja, um projeto de uma casa não é um projeto complexo, já o de um shopping center, sim, devido ao seu tamanho.

Agora, o projeto de uma refinaria, por exemplo, é complexo porque abrange diversas disciplinas e suas interfaces, como elétrica, instrumentação, equipamentos e estruturas. Quanto mais complexo, mais competente no gerenciamento deve ser a empresa contratada. Essa é a visão mais tradicional da complexidade”, explica.

Porém, quando uma grande obra começa a interferir na vida das pessoas que estão em volta – vizinhos, prefeitura, tráfego da estrada – pode se iniciar um movimento de reação contra a obra. “Em um primeiro momento, a construtora olha para dentro do projeto e analisa o grau de complexidade, de acordo com o conceito de Baccarini. Isso orienta a questão técnica de qual deve ser o nível de competência do time que vai ‘tocar a obra’. Quando, por diversas razões, esses projetos começam a incomodar as pessoas, inicia-se a atuação de fenômenos externos sobre ele, devido ao interesse e às necessidades desses atores que não foram jamais incluídos no planejamento. Daí que, aquela primeira complexidade, que reside dentro do projeto, cede a primazia para esta segunda: a complexidade existente em torno do projeto”, comenta Vianna Junior.

Quem disse que os stakeholdersque não são considerados importantes não podem causar um problema enorme para o projeto? Em um ambiente de respostas complexas, o gerente, para sobreviver, tem de mudar sua forma de ver o mundo. Ou seja, as coisas não são. Estão. Aloysio Vianna

COMPLEXIDADE POLÍTICO-SOCIAL

O professor alerta que “fatores externos acabam criando condições para que o projeto seja mal sucedido” e relata um case: “Um empreendedor enviou representantes para negociarem com a população local, porém eles tinham a intenção de ganhar vantagens e acabaram criando um desgaste monstruoso entre a obra e a vizinhança. A população se organizou, vieram advogados, o Ministério Público entrou e paralisou a obra para proteger os direitos dos cidadãos. Até o esclarecimento dos fatos, a obra parou com mais de mil funcionários no canteiro”.

O fato faz ver que, se o empreendedor responsável pela obra, ou o gerente de projeto, tivesse tido sensibilidade para a questão, identificada como de complexidade político-social, e para os fatores externos que aconteciam ao redor do projeto, teriam agido de forma mais proativa com a população, evitando, provavelmente, o problema ocorrido.

Outro exemplo da falta de preparo para lidar com a complexidade político-social aconteceu em uma gigantesca obra no Rio de Janeiro, com milhares de funcionários, que acabou em um incidente de morte. Vianna Junior conta que o assunto repercutiu de tal forma que acabou no poder judiciário do país de origem dessa organização. A empresa foi responsabilizada, e a diretoria do Brasil acabou sendo demitida. “Com a realidade das comunicações, não se pode prever o desdobramento de um incidente como esse. Hoje, a comunicação dá poder às pessoas e não permite que em um ambiente de projetos só se olhe para o empreendimento, sem levar em consideração as pessoas que estão em volta”, ressalta.

De acordo com ele, os principais desafios enfrentados no gerenciamento de projetos complexos é justamente entender que o empreendimento interfere na vida de outras pessoas e que não se pode olhar apenas o escopo do projeto propriamente dito. “É preciso entender quais são essas relações sociais em que o projeto está inserindo, no intuito de proativamente tratar os problemas, para que eles não acabem causando grandes prejuízos”.

ÁREAS DE CONHECIMENTO VOLTADAS PARA PROJETO COMPLEXO

Segundo o professor, as dez áreas de conhecimento do PMI são principalmente voltadas para a complexidade dentro do projeto, chamada de estrutural. A complexidade político-social é pressupostamente tratada na nova área de gerenciamento dos stakeholders.

Mas o PMI tem uma visão processualística dessa questão – causa e efeito. Orienta-se que se identifiquem os stakeholders, analise-os e os priorize, chegando a conclusões sobre quais os stakeholders devem ser muito bem gerenciados, com quais deve ocorrer uma comunicação eventual etc. A questão é: quem disse que os stakeholders que não são considerados importantes não podem causar um problema enorme para o projeto? Em um ambiente de respostas complexas, o gerente, para sobreviver, tem de mudar sua forma de ver o mundo. Ou seja, as coisas não são. Estão”, comenta.

Vianna Junior lembra um case exemplar: “No primeiro governo do presidente Lula, em 2003, foi feito um projeto enorme para a transposição do Rio São Francisco. Foi formado um grande consórcio para tocar a obra. As pessoas eram muito competentes, o Ministério da Integração era o patrocinador desse projeto. E o que fez o projeto paralisar? A notoriedade dada à greve de fome de um religioso da região. Com certeza eles analisaram os stakeholders e chegaram à conclusão de quem era e quem não era importante.

Estavam enganados. Ele colocou a ‘boca no trombone’, a imprensa deu atenção, e a obra ficou paralisada por muito tempo. Ao olharmos as áreas de conhecimento, olhamos caixinhas e paramos de olhar as pessoas. E elas podem interferir de forma totalmente imprevisível. É preciso de um gestor nesse tipo de projeto com uma visão que vai muito além das áreas de conhecimento”.

Se nós não tivermos outro tipo de postura ética e de preparo para tratar com a informação e com o público, as chances de termos problemas é muito grande. A complexidade não é do projeto, é do mundo e não dá mais para se esconder dentro do tapume Aloysio Vianna

Projetos da construção civil com grande complexidade estrutural exigem competência em gerenciamento de projetos. Essa competência permite que as obras sejam realizadas em tempo bastante competitivo, com controle dos custos e qualidade desejada. A complexidade estrutural pede competência técnica, que assegura construir um empreendimento com sucesso. “Para ter uma ideia, a Westinghouse desenvolveu o projeto de uma central nuclear que consegue ser construída em três anos. Tradicionalmente, uma central nuclear leva sete anos para ser feita. Já em um projeto complexo sócio-político, não se empreende apenas com essas competências. Quando não há a devida atenção a esse aspecto, acaba ocorrendo a paralisação e o cancelamento”, diz Vianna Junior.

De acordo com ele, lidar com a complexidade sócio-política nem sempre é uma função do gerente do projeto. Depende de como atua a organização e de como ela está estruturada. “Conheço grandes construtoras onde o diretor do contrato, ou gerente do projeto, tem autoridade e autonomia para fazer tudo o que for necessário. Já em outras construtoras, as responsabilidades são divididas e não cabe à pessoa responsável pela obra no dia a dia fazer esse tipo de gestão.

Quando se tem um empreendimento complexo, é preciso aumentar muito a autoridade do gerente do projeto, para que ele tenha condições de tratar dos assuntos inesperados. Usualmente, se não houver uma resposta imediata, a chance de o problema aumentar é muito maior”, orienta.

As grandes obras da construção civil, segundo Vianna Junior, ganhariam bastante com uma visão mais clara do fenômeno da complexidade. Além da visão de engenharia, os gerentes de projetos deveriam ter também uma visão da obra dentro do contexto social em que ela está imersa.

De poucos anos para cá, a capacidade de as pessoas trocarem informações e influenciarem ficou enorme. Mas as empresas continuam olhando apenas para dentro do tapume e de suas planilhas de gastos. Por vezes, uma ação pouco refletida pode, instantaneamente, chegar a muitas pessoas pelas redes sociais. O que antigamente era possível impedir com o gerenciamento competente de influências ou com uma campanha de marketing bacana, hoje é absolutamente incontrolável.

Se nós não tivermos outro tipo de postura ética e de preparo para tratar com a informação e com o público, as chances de termos problemas é muito grande. A complexidade não é do projeto, é do mundo e não dá mais para se esconder dentro do tapume. Estamos em um mundo onde o controle é muito relativo. É preciso ter consciência do que pode acontecer e agir com bastante rapidez quando detectado um problema”, ensina.

Redação AECweb / Construmarket

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Colaborou para esta matéria:

Aloysio Vianna Junior – é engenheiro químico pelo Instituto Militar de Engenharia, Master of Engineering, pela Universidade McGill de Montreal.

Em Brasília atuou na Presidência da República, no Ministério da Defesa e na Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar, sempre na coordenação de projetos, principalmente na área de CT&I, tendo sido coordenador de ações e gerente-executivo de programas do Governo (PPA).

Hoje é Diretor de Pesquisas para o Brasil do Standish Group e colabora com a FGV, FDC e PUC-Rio, tendo tido a oportunidade de treinar mais de 6 mil profissionais em diversas disciplinas do gerenciamento de projetos.

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