Em sua tese de doutorado na Escola Politécnica da USP, Márcio Fabrício – professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP em São Carlos – transportou para a área da construção civil as práticas das empresas na gestão do desenvolvimento de projetos e novos produtos.

“No mundo contemporâneo, os projetos de novos produtos são cada vez mais complexos. Na construção civil isto é verdadeiro, pois crescem as exigências regulatórias, ambientais, do consumidor, entre outras”, diz. Para dar conta dessa complexidade, a construção recorre a novas especialidades de projeto. Com isso, aumenta o número de projetistas e fica colocada a questão de como cada um está colaborando.

 

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“O modelo mais tradicional é fragmentado: o promotor do empreendimento contrata os diversos projetistas de forma seqüencial, de forma que um projeto ‘chama’ o outro. Ou seja, primeiro é mobilizado o projetista de arquitetura e seu projeto aciona o projeto de estruturas, e assim vai. O problema é que, muitas vezes, um projeto que é desenvolvido mais à frente pode demandar mudanças em decisões tomadas no início do processo”, diz, exemplificando: “uma das decisões iniciais do projeto é quanto ao pé direito da edificação que vai influenciar a escada. Se é feita a opção por laje nervurada ao invés da maciça, conforme projeto, o piso a piso aumenta e vai aumentar o número de degraus da escada, alterando a arquitetura. Essa é, portanto, uma decisão interdependente. É um constante ir e vir”, observa Fabrício.

Segundo o professor, o modelo de colaboração seqüencial se revela ruim para a interdependência porque qualquer nova tecnologia ou decisão diferente que apareça durante o processo ou que não tinha sido pensada, obriga a voltar atrás e refazer projetos já prontos. Ou seja, esse modelo gera retrabalho.

“E o fato de os projetistas estarem trabalhando suas especialidades separadamente, reduz a possibilidade de encontrar soluções compartilhadas. Muitas vezes, decisões tomadas em fase projetual anterior impedem a introdução de uma tecnologia ou de uma solução construtiva mais adequada” lembra.

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Fabrício explica que as indústrias mais competitivas organizam o processo de desenvolvimento de produto valorizando a etapa de concepção do projeto. O momento inicial é o do ‘brainstorming’, em que cada projetista apresenta suas soluções e todos discutem a melhor opção, chegando muitas vezes a um consenso – caminho que, certamente, traz melhor qualidade ao produto.

“Evidentemente, os assuntos pertinentes a cada disciplina tem seu tempo próprio de maturação”, afirma. Ele lembra que, no momento da concepção, o arquiteto tem um trabalho mais intenso do que o engenheiro de instalações, mas o engenheiro deve participar dessa primeira fase, assim como os demais. Assim, o projeto nasce mais ‘redondo’.


Modelo colaborativo garante DNA ao projeto

Quando o empreendimento começa pelo loteamento, é prioritária a presença de especialistas em transportes e em infraestrutura urbana, antes mesmo do projeto arquitetônico. Nos projetos de edifícios, é fundamental reunir na fase de concepção os projetistas mais tradicionais, ou seja, de arquitetura, de fundações e estruturas, de instalações e sistemas.

“Caso o edifício pretenda a certificação de impacto ambiental do tipo LEED ou AQUA, a presença do consultor de sustentabilidade na concepção do projeto é inevitável. Essa escolha envolve decisões de partido do projeto em consumo de energia, aproveitamento e uso racional da água, entre outras, e que só vão funcionar se tomadas logo no início”, recomenda Márcio Fabrício.

É preciso, também, contar com a presença de alguém que represente a produção, o canteiro, porque faz parte da concepção do ambiente construído prever tecnicamente qual será o seu desempenho.

“Afinal, o projeto serve para subsidiar a obra, o que envolve o conceito de construtibilidade, que pode ser traduzido simplificadamente como a facilidade de construir. Isto significa que, dependendo da solução projetual é mais fácil ou mais difícil de executar na obra”, diz, exemplificando: “Se faço uma estrutura de concreto com um desenho complexo, será muito mais difícil de produzir a fôrma de concreto do que uma fôrma para construir um elemento retangular convencional”.

Márcio Fabrício ensina que, depois da fase de concepção do projeto que envolveu a maioria dos projetistas, cada um vai detalhar o seu. Para o construtor, a quem cabem as contratações das equipes, o início do projeto é o momento de investir e aguardar o retorno que virá no futuro. Do ponto de vista do fluxo financeiro, o ideal é postergar o desembolso.

“Mas, é preciso que os construtores entendam o projeto como investimento e não como custo”, destaca. Se adotado o modelo de colaboração proposto aqui, o projeto terá um DNA melhor. Com isso, o retorno financeiro será maior porque haverá menos problemas na execução da obra, menos retrabalho e maior desempenho da edificação. E para o coordenador de projetos o trabalho se torna mais racional.

“Não se trata simplesmente de colocar todo mundo em volta da mesa e achar que no primeiro projeto o modelo vai funcionar. É preciso aprender a organizar a equipe de projetos e fazer com que todos colaborem. As pessoas também têm que aprender a dar e ouvir sugestões, que suas idéias nem sempre serão aceitas ou que suas especialidades sejam o centro do projeto”, ressalta o professor, lembrando que o projeto terá mais credibilidade perante a equipe.

Além disso, essa metodologia evita que os projetistas culpem o anterior por um problema que surge – o que é comum no atual sistema sequencial, até porque não participaram das decisões anteriores.

As reuniões, segundo ele, podem ser coordenadas pelo próprio arquiteto autor do projeto – modelo mais clássico. “Quando for possível, o líder das equipes pode ser outro arquiteto ou engenheiro, que deve conhecer um pouco dos vários projetos, suas interfaces, e ter uma visão global do empreendimento. E, principalmente, conhecer obra, onde os projetos vão se materializar” , conclui Márcio Fabrício.

 

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Redação: AECweb


COLABOROU PARA ESTA MATÉRIA:

Márcio Fabrício é professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da EESC USP. Livre-docente em Arquitetura, Urbanismo e Tecnologia pela Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo – EESC USP (2008); Doutor em engenharia pela Escola Politécnica da USP (2002); Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela EESC USP (1996); Engenheiro Civil pela Universidade Federal de São Carlos (1993).

É diretor de relações inter-institucionais da Associação Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído – ANTAC (2010-2012). É um dos líderes do grupo de pesquisa Arquitetura, Inovação e Tecnologia (Arquitec). Atua como editor do periódico científico Gestão e Tecnologia de Projetos. Tem experiência e desenvolve pesquisas nas áreas de Arquitetura e construção, com ênfase em Gestão de Projetos e Produção de Edifícios.