No início dos anos 1990, a recém-formada engenheira Ana Rocha Melhado era frequentemente orientada pelo engenheiro sênior a mudar o projeto incompleto, tomando decisões pontuais no canteiro.

“A recomendação que mais me chocou diante de um projeto com muita armação que não cabia dentro das vigas, partiu da minha chefia, que disse: ‘tira dois ferros’. Outra situação igualmente marcante, na época, foi na execução de um térreo muito grande de um edifício residencial. Como o projeto não indicava onde parar o piso para deixar a folga que receberia a junta de dilatação, a coordenação da mesma equipe explicou que aquele procedimento era normalmente definido na hora, pelo mestre de obras. Era e ainda é assim”, diz ela.

gap que existia entre a gestão de projetos e a gestão de produção norteou seu mestrado na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e, depois, o doutorado e pós-doutorado na Europa.



“Tive grande interesse em pesquisar as razões de os projetos chegarem ao canteiro com tantas falhas e os motivos do poder de decisão de uma obra ser dado ao mestre de obras e não ao engenheiro. Nunca mais parei de trabalhar com esse tema”, revela Ana Rocha, hoje pioneira em consultoria de integração projeto/obra – trabalho qualitativo que, em sua experiência, já resultou na redução do custo de determinado empreendimento em torno de 4%, com intervenções na modulação vertical e horizontal.

“As empresas não conseguem conceder mais tempo ao desenvolvimento de projeto. O prazo é sempre muito curto, passando rapidamente para o canteiro, onde as decisões efetivamente são tomadas”, afirma.

PATOLOGIAS


Entre as consequências estão as patologias dos edifícios, que começam com as trincas na alvenaria, descolamento de revestimentos e infiltrações. Decorre, ainda, o grande desperdício de material, elevando a geração de resíduos e contrariando o que pede a construção sustentável.

Segundo Ana Rocha, prevalece há décadas a informação no setor de que a cada três prédios construídos, um se perde. “Como não há um indicador atualizado, esse ainda é tido como verdadeiro. Mas quando as construtoras racionalizam o processo de projeto os benefícios são tantos, que estão fazendo muito mais sustentabilidade do que instalando uma placa fotovoltaica no telhado!”, diz.

NA CONTRAMÃO



O procedimento usual no mercado, segundo Ana Rocha, é a contratação dos projetos (de fachadas, impermeabilização, vedação e outros) depois que o produto está definido. “Seria mais produtivo se convocassem os projetistas na fase de desenvolvimento do produto, na qual ainda podem alterar as dimensões dos ambientes ou a altura do pé direito. A contratação depois do lançamento do empreendimento, já com os folders de propaganda circulando, impõe limitações”, alerta.

Na Europa, esses profissionais entram no processo simultaneamente ao projeto arquitetônico. Os projetistas de vedações e fachadas, por exemplo, oferecem as diretrizes para que o arquiteto – que não é obrigado a ter esse conhecimento técnico –possa desenvolver um produto dentro de uma malha modular. Isto não significa que esses projetos nasçam junto com a arquitetura, mas sim que as premissas técnicas estarão incorporadas desde o início.

A engenheira dá outro exemplo: “No momento em que o projetista de estruturas lança sua fôrma, de maneira geral, ele não está preocupado com a construtibilidade desse lançamento. Mas se o especialista de fôrmas trabalhar junto com o profissional de estruturas, estabelecendo as diretrizes, a construtibilidade da obra estará assegurada”.

Na metodologia defendida por Ana Rocha, a antiga concepção focada nos projetos de arquitetura e estrutura agrega o de fôrma, de alvenaria e de fachada. “Aumenta tanto o número de profissionais no desenvolvimento do produto que a figura do coordenador de projetos fica cada vez mais importante. Ele entra como ‘maestro da orquestra’, ditando o momento que as informações de cada projeto têm que entrar e orientando o caminho para as decisões. Esse é um papel extremamente importante”, destaca.

Segundo a engenheira, a contratação dos projetistas ainda na fase de desenvolvimento do produto representa um investimento inicial maior para a incorporadora. Ao projeto de arquitetura, que equivale a 1% ou 2% do custo total da obra, vão se somar valores que atingem entre 5% e 7%, no mínimo.

“O ideal seria investir isso, ou seja, a empresa estaria antecipando até 4% a mais. Oriento meus clientes que, dependendo do contrato que venham a ter com os projetistas, eles podem negociar um desembolso mais parcelado. Tenho convicção de que os profissionais terão mais interesse em trabalhar desde o início, mesmo que recebam em prazo mais dilatado, do que entrarem em etapa posterior e só poderem contribuir de forma restrita”, afirma.

SUSTENTABILIDADE

Ana Rocha Melhado lembra que, em função do elevado preço dos terrenos, é usual que o tempo de desenvolvimento de projetos, após o lançamento do empreendimento, se restrinja a apenas dois meses. “Período que não permite incorporar todos os projetos que mencionei como fundamentais”, observa.

Com a sustentabilidade as empresas que optaram pela certificação são obrigadas a antecipar essas contratações e estabelecer as diretrizes de projeto – e, muitas vezes, quando necessário, a adiar o lançamento do empreendimento.

“Entre as certificações, a AQUA exige esse processo. A fase mais importante é a de ‘Programa’ que, na França, chega a levar até um ano, dependendo da complexidade da obra. Antes de definir o produto todos os especialistas, inclusive de Planejamento e Orçamento, são envolvidos nas análises técnicas, econômicas e de construtibilidade. Vem, em seguida, uma fase mais curta de desenvolvimento do projeto executivo, porque as diretrizes de projeto já foram estabelecidas, resultando em um prazo de execução correto e em orçamento com divergência mínima entre o que foi previsto e o entregue ao cliente”, ensina a engenheira, que atua também como consultora para a certificação AQUA.

RESULTADO OTIMIZADO



Nesse cenário, além de a construtora ter mais controle do orçamento, o gestor de projetos tem menos retrabalho e consegue agregar valor ao projeto, melhorando o nível de construtibilidade e reduzindo patologias. As reuniões de projeto fluem e as equipes de produção têm que participar para reduzir as alterações de projeto no canteiro de obras.

“Nosso escritório está, hoje, no 13º empreendimento em processo de certificação AQUA, mas sempre com foco na gestão de processo de projeto, procurando mudar essa cultura, mostrar a importância de antecipar essas contratações e de incorporar as novas demandas normativas de sustentabilidade e de desempenho. Quando damos início à consultoria para uma empresa, a diretoria de incorporação olha ‘meio torto’. A coordenação de projeto duvida que esse sonho poderá se concretizar e os projetistas também não acreditam que lhes será assegurado prazo e condições para desenvolverem seus projetos. Mas como a metodologia do processo de certificação é muito rígida, no final todos saem satisfeitos”, conta Ana Rocha.

Redação AECweb / Construmarket 

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 Ana Rocha Melhado 
é Engenheira Civil, Doutora em Tecnologia e Gestão da Produção pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). Pós-Doutorado em Gestão Ambiental de Bairros Sustentáveis pela ISO 14001 e pelo processo de certificação HQE®, realizado em Paris, com supervisão da empresa de gerenciamento urbano SEMAPA e do Departamento de Engenharia de Produção da EPUSP.

Auditora Líder ISO 9001 e do Processo de Certificação AQUA pela Fundação Vanzolini. Representante do Software de Monitoramento dos GEE VERTEEGO no Brasil. Autora de livros técnicos relacionados à Gestão do Processo de Projeto e sua integração com a produção. Professora Titular do Curso de Engenharia Civil da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP). Diretora da PROACTIVE CONSULTORIA, especializada em Gestão de Projetos e Sustentabilidade.

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