Projetos públicos e privados sofrem, com maior ou menor intensidade, pressão das partes interessadas. “Os stakeholders são pessoas e entidades relacionados ao empreendimento que podem afetá-lo ou são afetadas pelo sucesso da gestão Há casos em que as duas situações ocorrem simultaneamente”, explica o professor Paulo Sérgio Milano Bernal, coordenador do curso de extensão continuada sobre o tema, na Universidade Mackenzie.
Uma das primeiras atividades do ciclo de gerenciamento de projetos, de acordo com as recomendações do Project Management Body of Knowledge (PMBOK), é identificar e conhecer os stakeholders ainda na fase de abertura do projeto.
“Com alguns deles, a relação será intensa e duradoura. Envolve, neste caso, a busca por informações sobre suas necessidades e expectativas, discussão de objetivos do projeto e negociação de soluções. Já outras partes interessadas serão contatadas para explicações sobre o empreendimento e obtenção de sua anuência, de maneira a evitar oposição futura”, ensina.
Pressão para ter sucesso?
No caso de um projeto de edifício residencial, as partes interessadas mais visíveis vão desde os investidores e a construtora até os funcionários e empreiteiros diretamente envolvidos, além dos compradores das unidades. Já em obras públicas, o stakeholder que prevalece é a própria sociedade que vai usufruir daquele bem.
Os stakeholders são pessoas e entidades relacionados ao empreendimento que podem afetá-lo ou são afetadas por ele. ” Paulo Bernal
“Há aqueles menos óbvios, como os sindicatos de trabalhadores e organizações não governamentais (ONGs) ambientalistas ou que atuam na área de responsabilidade social das empresas. É comum que estas lancem mão da imprensa, que, por sua vez, também monitoram o empreendimento para denunciar situações que consideram sem sucesso”, lembra Bernal.
Stakeholder externo de grande importância são os órgãos públicos ambientais. “As licenças nem sempre são obtidas com facilidade. Um exemplo é o que ocorre com trechos da obra do Rodoanel na região paulistana da Serra da Cantareira, em atraso, pela dificuldade encontrada”, exemplifica.
Aliás, no traçado de rodovias é recorrente o surgimento de comunidades constituídas por moradias precárias como partes interessadas na obra. A prática que tem obtido mais sucesso é a da negociação para que as pessoas recebam alguma compensação financeira ou que o empreendedor encontre um novo local onde possam morar.
A pressão da opinião pública do entorno do empreendimento pode, até mesmo, inviabilizá-lo, a exemplo do projeto de construção de uma estação de metrô na capital paulista, em bairro nobre, que ganhou grande repercussão quando os moradores se opuseram fortemente. O movimento resultou no sucesso da alteração do traçado da linha e transferência da estação para outro local.
“Nesse e em muitos outros casos, houve uma articulação dos stakeholders com a imprensa, que, de forma menos óbvia, atua também como parte interessada e com poder de influência, principalmente em relação aos grandes empreendimentos. Se a imprensa criar uma má reputação a respeito de determinada obra, isto ressoa junto à opinião pública e aos demais stakeholders, causando transtornos”, alerta o professor.
Gestão mais exigentes
A gestão das partes interessadas em um projeto foi se tornando, ao longo das últimas décadas, questão das mais sensíveis em todo o mundo. Desde os anos 1960, quando o PMBOK começou a ser publicado, o assunto mereceu apenas citações diluídas no guia de melhores práticas. “Na última e mais recente edição, foi incluído um capítulo exclusivo sobre gerenciamento de stakeholders”, destaca Bernal.
As razões desse destaque todo começam pela amplitude alcançada pelas comunicações globais. Mais informadas, as sociedades passaram a exigir, de forma crescente, transparência e qualidade nos investimentos do poder público.
Esse fenômeno se estende aos investimentos privados em projetos, quando interferem na vida dos stakeholders, agora mais críticos. Num efeito cascata, os órgãos públicos exigem do empreendedor posturas coerentes com as leis e normas técnicas.
Se a imprensa criar uma má reputação a respeito de determinada obra, isto ressoa junto à opinião pública e aos demais stakeholders, causando transtornos. ” Paulo Bernal
“A melhor iniciativa, portanto, não é confrontá-los e nem decepcioná-los, mas tentar conciliar os interesses, o máximo possível”, indica. Quando um empreendimento é alvo de diversos grupos de partes interessadas, é comum que ocorram conflitos em relação ao que o projeto possa oferecer a cada um deles.
Surgem pressões específicas e de várias origens, além do fato de que, entre os interessados, há os mais e os menos críticos, e aqueles que têm maior ou menor poder de pressão.
“O papel de quem está negociando com os stakeholders é formatar as soluções dentro do projeto, sempre pautado pelo equilíbrio”, comenta o professor. É boa prática acompanhá-los ao longo do ciclo do projeto, tentando desarmar problemas e, principalmente, falsas expectativas para que se tenha sucesso.
Bernal exemplifica: “Uma incorporadora de edifício residencial faz as vendas das unidades com base na planta e no decorado. Porém, quando concluída a obra, os compradores identificam disparidades entre o que foi apresentado e o que foi entregue. Pode ter ocorrido falha na comunicação na hora da venda, além de excessivo glamour na decoração. Os apartamentos não eram o que os compradores imaginavam, o que pode gerar problemas sérios e, até mesmo, contestações judiciais. Daí a importância de oferecer expectativas verdadeiras”.
Redação AECweb / Construmarket
Colaboração técnica
Paulo Sérgio Milano Bernal – Graduado Engenharia Elétrica pelo Centro Universitário da FEI, com mestrado em Engenharia, MBA em Finanças (FIA – FEA – USP) e especialização em Administração Industrial – Fundação Vanzolini (EPUSP). Atualmente, é doutorando em Ciência da Energia pelo Instituto de Energia e Ambiente (IEE – USP).
Tem certificação internacional – Project Manager Professional pelo Project Management Institute. Atuou em empresas no treinamento e/ou consultoria em gerenciamento de projetos. Entre elas, na Audax Engenharia, Femsa Coca-Cola, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Rhodia. É professor de Gerenciamento de Projetos e Engenharia Econômica da Escola de Engenharia da Universidade Presbiteriana Mackenzie.