“Em arquitetura, engenharia e construção, muitas vezes o projeto ainda é visto como um documento, uma pilha de plantas que vão orientar a execução das obras”, comenta Silvio Melhado, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). Ele explica que o projeto deve ser entendido como uma série de processos que se inter-relacionam e que sua elaboração implica na contratação de profissionais que geram os documentos necessários para a condução do empreendimento. “Trabalhamos há duas décadas com o objetivo de fazer o projeto ser entendido como processo. Esse foi o ponto de partida que nos levou à elaboração de cursos de pós- graduação da Poli, na área de gestão de projetos”, afirma.
De nada adianta um projeto ser considerado muito bom, mas depois de pronto apresentar problemas de construção Silvio Burrattino Melhado
Um dos processos de gestão é o da qualidade, que, segundo o professor, está mais focado no resultado final da obra. “De nada adianta um projeto ser considerado muito bom, mas depois de pronto apresentar problemas de construção. Ele deve se transformar em algo construído e entregue em condições de uso. Essa é a visão principal quando se fala em gestão da qualidade”, diz.
Muitas questões relacionadas à qualidade podem ser resolvidas com a gestão dos agentes envolvidos. Para tanto, o gestor precisa ter bem definido qual é o escopo do projeto para poder delegar um item para cada profissional, e cobrar resultados. “Ele não pode esperar o projeto ficar pronto para descobrir que não foram consideradas algumas questões, prejudicando o resultado do empreendimento”, afirma.
Melhado explica que a equipe de gerenciamento de projetos deve ser composta por um gerente para cada área: o de sustentabilidade irá orientar as ações visando atender os requisitos ambientais; o de processos construtivos define entre as melhores opções de sistemas construtivos e materiais para cada caso. O especialista explica, ainda, que quando ocorrem mudanças de processos na fase da execução da obra, alterando o que foi projetado, é porque a gestão da qualidade não foi correta. “Se alguém resolve mudar algo no meio da obra é porque não participou da elaboração do projeto”, explica.
Na fase inicial, a falta de qualidade na análise dos terrenos tem se configurado como um erro clássico da Construção Civil. O professor comenta o caso recente de um conjunto habitacional no Rio de Janeiro, que antes mesmo de ser entregue apresentou rachaduras e teve que ser demolido. “Claramente foi um problema de quem projetou a fundação ou a estrutura naquele terreno. Este é um caso de erro de projeto, envolvendo a análise do terreno”, avalia, comentando que isto ocorre também com empreendimentos de grande porte.
Para Melhado cabe ao gestor de projeto definir o escopo e responder pela contratação dos profissionais, levando em conta todas as disciplinas envolvidas com a arquitetura e engenharia para montar sua equipe. “Além disso, ele terá que pensar na integração dessas atividades com o processo de execução das obras”, orienta.
Para fazer a gestão não basta o profissional ter conhecimentos genéricos. Ele precisa ter a experiência obtida no canteiro de obras. A gestão de processos, informa, exige conhecimento aplicado e não existe literatura que atenda essa necessidade.
O professor lembra que o PMBOK é um manual de gestão de projetos para qualquer segmento industrial, mas que não é específico para a Construção Civil, que tem uma série de particularidades. “O que o PMBOK traz é uma metodologia genérica que pode e deve ser aplicada, mas não vai estruturar todos os processos construtivos”, alerta, ao afirmar que se o profissional trabalhar apenas baseado no PMBOK, ele não estará bem preparado para fazer a gestão de um empreendimento na Construção Civil.
Há muita literatura, segundo ele, para a formação do profissional. Porém, trabalhos sobre os conhecimentos específicos são mais difíceis de encontrar. “Há livros, artigos, teses, vários tipos de publicação mais ou menos palatáveis, conforme o público, mas não há fonte de conhecimento aplicado. Não existe um manual que a pessoa possa seguir e se tornar um profissional em gestão”, afirma.
O manual vai dizer o que e quando deve fazer, mas não como deve ser feito Silvio Burrattino Melhado
A gestão de projetos abrange uma combinação de conhecimento e experiência que permitirá a realização de um trabalho com qualidade. A experiência pode ser intensificada e cada um aproveita e se beneficia de maneira particular. “Depende do perfil de cada um, mas certamente não é algo que possa ser obtido por meio de um manual. Alguém que tenha apenas a graduação em engenharia ou em arquitetura terá dificuldade em falar sobre gestão de projeto”, afirma.
Gestão é um trabalho que exige a combinação de conhecimentos de diversas áreas, como administração de empresas e de projetos, arquitetura e engenharia civil que, somados à experiência no canteiro de obras, qualificam a pessoa como um profissional de gestão de projetos na Construção Civil.
Com esse preparo será possível utilizar os manuais existentes como os de escopo para gestão de projetos de arquitetura, estruturas, paisagismo, ar-condicionado… Enfim, manuais para as disciplinas envolvidas na construção. “O manual vai dizer o que e quando deve fazer, mas não como deve ser feito. Isso faz toda diferença. O profissional precisa ter um conteúdo a ser agregado à aplicação”, afirma Melhado.
O professor Silvio Melhado afirma que a Poli atua na formação desses profissionais, utilizando metodologia aplicada. Lembra que a gestão de projetos não é um campo de conhecimento genérico, “mas que deve ser combinada a outros conhecimentos”. O aluno deve entender que é um campo que está entre arquitetura, engenharia, engenharia de construção e engenharia de projetos.
“A presença do arquiteto tem sido mais frequente nessa atividade, mas o ideal é um profissional que tenha atuação na engenharia, dentro da construção, até por ter uma área de interface muito forte. E o curso reflete isso”, comenta, ao informar que a Poli também oferece mestrado profissional, com uma linha de pesquisa sobre gestão de projetos. “Estamos procurando oferecer outra oportunidade para quem quiser se desenvolver nessa área, envolvendo a gestão de projetos complexos”, conclui.
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Redação AECweb / Construmarket
Silvio Burrattino Melhado – Professor Associado da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). Graduou-se em Engenharia Civil, cursou mestrado e doutorado em Engenharia Civil, todos pela USP, além de ter realizado pós-doutoramentos na França, no Canadá e na Inglaterra.
Tem experiência na área de Engenharia de Construção Civil, com ênfase em construção de edifícios, atuando principalmente nos seguintes temas: gestão do processo de projeto, gestão de empresas de projeto, gestão da qualidade, sistemas de gestão e certificação de sistemas.
Publicou mais de 300 trabalhos, dentre os quais se encontram os seguintes livros: Coordenação de projetos de edificações; Como Administrar Empresas de Projeto de Arquitetura e Engenharia Civil; Preparação da Execução de Obras; e Projeto e execução de lajes racionalizadas de concreto armado.
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