Até que ponto o projeto de arquitetura é respeitado pelo gerenciamento de projetos? Na experiência do arquiteto Alberto Botti, sócio-fundador do escritório Botti Rubin Arquitetos Associados, isso costuma acontecer com bastante frequência. “Em 90% dos projetos sou ouvido pelo coordenador de projetos, seja da construtora ou de escritório terceirizado. Eu exijo isso”, comenta.
Para o arquiteto Edson Elito, titular do escritório Elito Arquitetos, o que existe é uma relação de confiança e diálogo entre cliente, projetistas e gerente de projetos. “Não existe uma regra impondo que é preciso manter a integridade do projeto de arquitetura, evitando toda e qualquer interferência. Até porque às vezes são necessárias alterações solicitadas pela gerência de projetos, que analisa e faz as adequações às normas internas visando, também, o cumprimento dos prazos”, diz.
O problema surge quando a contratação dos projetistas técnicos é feita com atraso pelo proprietário da obra ou empresa terceira, sem a participação do arquiteto Alberto Rubens Botti
Na sua trajetória profissional, Botti viveu algumas poucas situações em que o gerente de projetos desconsiderou ou esqueceu o fato de que havia um cronograma – já em andamento – preparado pelo arquiteto. “O problema surge quando a contratação dos projetistas técnicos é feita com atraso pelo proprietário da obra ou empresa terceira, sem a participação do arquiteto”, observa.
O ideal é que a obra seja gerenciada pelo arquiteto, pois cabe a ele a compatibilização de todos os projetos técnicos (foto: shutterstock / Chaay_Tee)
Esse atraso leva à criação de outro cronograma, diferente do preparado pelo arquiteto. “Num projeto único, ter três cronogramas diferentes é um desastre anunciado. Se os projetos complementares não começam nas datas previstas, o cronograma geral não funciona. E, com isso, a arquitetura não caminha”, alerta.
COMANDO
Cabe ao arquiteto a tarefa de compatibilização de todos os projetos técnicos, mesmo quando os projetistas são contratados diretamente pelo cliente (incorporador, órgão público ou construtora) e mesmo havendo a figura de uma gerenciadora de projetos Edson Jorge Elito
“Cabe ao arquiteto a tarefa de compatibilização de todos os projetos técnicos, mesmo quando os projetistas são contratados diretamente pelo cliente (incorporador, órgão público ou construtora) e mesmo havendo a figura de uma gerenciadora de projetos”, diz Elito. Para Botti, o ideal é que o gerenciamento dos projetos seja feito pelo arquiteto. Ou, que ele oriente o cliente na contratação dos projetistas pelo proprietário da obra ou gerenciadora.
“Afinal, é ele quem tem conhecimento mais preciso do que vai acontecer, se comparado ao que teria uma empresa terceira ou a equipe do cliente. Foi ele quem fez os estudos que deram base para o escopo, o qual, por sua vez, foi a base do contrato. O arquiteto é quem melhor pode orientar os autores das demais disciplinas, para cumprirem o cronograma, prepararem o orçamento adequado e, ainda, identificarem os problemas existentes no projeto. O cronograma tem que ser integrado e o arquiteto precisa participar dessa integração”, defende.
Edson Elito lembra que, quando o arquiteto é contratado pelo cliente pelo valor global, é ele quem contrata todos os projetos técnicos. “Neste caso, todos os especialistas se reportam ao arquiteto, o que assegura um respeito maior ao projeto”, observa, ressalvando que o entrave desse tipo de contrato é a bitributação.
ALTERAÇÕES
Quando há mudança no escopo – por exemplo, o prédio terá oito e não mais sete pavimentos –, o arquiteto será remunerado pela alteração. E pode chegar ao dobro do que seria inicialmente, se for solicitada pelo cliente depois de o projeto pronto. “Já me aconteceu de o cliente pedir cerca de dez alterações no projeto, o que é exceção”, diz Botti, alertando que é importante o arquiteto dimensionar e informar o cliente sobre o custo da modificação.
Elito considera que, diante de alterações exigidas pelo cliente, inclusive feitas já durante a execução da obra, cabe ao arquiteto aceitar e encontrar a melhor maneira de fazê-lo sem impactar o que já está construído. “O proprietário do empreendimento é quem vai ficar com a obra e não o arquiteto. Ele sabe o que quer, principalmente quando não é leigo”, diz.
Ele parte do princípio de que um projeto deve suportar tecnicamente modificações. Essa flexibilidade de uso visa, também, alterações futuras da edificação. Caminho seguro para eliminar dúvidas e oferecer soluções para a possível adequação do projeto, de acordo com o que se constatou na obra, é o acompanhamento técnico da execução. “Esse trabalho deve ser feito pela equipe de arquitetura. No entanto, muitas vezes o cliente não vê necessidade de contratar o acompanhamento técnico”, fala.
Botti chama a atenção para outro tipo de modificação, aquela resultante da influência da contratação mal feita de projetos complementares. E reforça que, se o cliente contrata os projetistas desconhecendo o escopo e o cronograma, os projetos complementares podem partir de uma visão de produto que difere daquela da arquitetura. “Vão surgir modificações ocasionadas por má administração do processo, quando não está sob a supervisão do arquiteto, causando principalmente atrasos”, diz Botti.
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DIÁLOGO
“A gerenciadora é, também, um braço do cliente, porta-voz de suas decisões em relação ao projeto e custos”, ressalta Elito, acrescentando que o arquiteto deve considerar a viabilidade econômica do que está especificando. Exemplo é quando o custo pode inviabilizar o uso de determinado material de altíssimo desempenho.
Botti ensina que o projeto é a antecipação do que vai acontecer. E exemplifica: uma obra projetada para ser energeticamente eficiente deve considerar o conjunto da solução, ou seja, vidros e sistema de ar-condicionado. Se determinada especificação – do vidro, por exemplo – for barrada pelo proprietário por se tratar de elemento que vai encarecer o empreendimento, o caminho é encontrar o equilíbrio.
“Cabe ao arquiteto, junto com o gerente de projetos, analisar o vidro e o ar-condicionado com os projetistas de cada área e, depois, discutir as alternativas de custos e técnicas com o proprietário. É preciso chegar a uma solução de compromisso”, receita. Elito concorda e argumenta que nem arquiteto, nem consultor podem ser irredutíveis.
Diante da polêmica de que o mercado, especialmente o imobiliário, valoriza o projeto de arquitetura por sua estética, negligenciando as demais disciplinas projetuais, Botti lembra que o projeto é único, integrado. “Evidentemente, o que aparece mais no final da obra é o projeto de arquitetura, mas os demais são tão importantes quanto. O projeto executivo é uma somatória de projetos. Os projetos técnicos se traduzem em informações absolutas que definem o projeto de arquitetura”, conclui.
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Colaboração técnica
Alberto Rubens Botti – formado em arquitetura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. É sócio-fundador do escritório Botti Rubin Arquitetos Associados, que conta com uma equipe de, aproximadamente, 30 arquitetos e, ao longo de sua história, foi responsável pela produção de cerca de mil edifícios.
Edson Jorge Elito – arquiteto pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie. Desde 1998, é sócio do escritório Elito Arquitetos. Professor licenciado da FAU Universidade Braz Cubas, Mogi das Cruzes (SP). Foi secretário Geral do IAB/SP entre 1996