Desvios de prazos e custos em projetos de empreendimentos podem provocar forte impacto na margem de lucro das incorporadoras. O engenheiro Luiz Gustavo Santos, sócio da Falconi – Consultores de Resultado, defende a importância de as empresas buscarem as causas dos desvios nos seus processos, para que possam uniformizá-los.
O lucro é prejudicado quando o custo da obra excede o que foi previsto em orçamento (foto: shutterstock / Jirapong Manustrong)
“Nos empreendimentos de alto e médio padrão, a parcela que o cliente paga, durante a obra, é de apenas 30% do valor do imóvel. Quando ocorre atraso na entrega, os 70% restantes contratados pelo comprador com o banco também são adiados. Como o custo do capital tem elevado valor no Brasil, essa parcela acaba afetando a margem da empresa”, explica, acrescentando que a lucratividade é prejudicada, também, quando o custo da obra é excedido em relação ao previsto no orçamento.
(foto: divulgação / Falconi)
PROBLEMA E CAUSA
O primeiro passo para que as empresas entendam essa equação é identificar o problema. Se o atraso for decorrente de “estouro” de custo, a margem estimada e comunicada aos acionistas será menor. Esse percentual vai depender do montante de desvios de prazo e custo. “Nesse momento, a empresa terá de avaliar o quanto está perdendo de dinheiro”, destaca Santos.
O passo seguinte é que ela identifique as causas dos desvios. “Nós estudamos mais de cem obras concluídas, em conjunto com as equipes que participaram de todas as etapas do projeto. Consideramos planilhas orçamentárias e cronogramas. E entendemos que a execução da obra não é responsável por 100% das causas. As causas dos desvios estão associadas aos processos que afetam o prazo e o custo ao longo do ciclo do empreendimento”, revela.
FALHAS NOS PROCESSOS
Os processos começam na concepção do projeto e seguem com a definição do projeto legal; orçamento de lançamento e o próprio lançamento; projeto executivo; orçamento e planejamento executivos; suprimentos; e, finalmente, execução e controle da obra.
O engenheiro exemplifica com um desvio de custo típico da má definição do produto imobiliário: a empresa percebeu que não estava conseguindo vender as unidades, porque faltava a churrasqueira na varanda. Ao optar por sua instalação, fez mudança de escopo do projeto e, consequentemente, verificou aumento no custo.
“Ou seja, na etapa de definição do produto, a empresa não fez uma pesquisa de mercado adequada. Essencial, também, seria consultar as áreas envolvidas que poderiam colaborar, como a de engenharia, projeto executivo, marketing e de incorporação. Portanto, a causa do estouro no custo não estava no canteiro”, ressalta.
Uma situação de falha do orçamento ocorreu quando uma construtora com sede na capital paulista ampliou sua área de atuação a Manaus. Para essa obra distante, estimou a produtividade para execução da alvenaria e das estruturas usando referências de São Paulo, onde ela é muito maior. “Na execução, a empresa concluiu que gastou mais do que o orçado”, comenta Santos.
Desvios no projeto executivo também são comuns. É o caso do envio para a obra de uma versão do desenho que não estava compatibilizado. Havia uma alteração no projeto de estrutura, sem que o de elétrica tivesse sido também alterado. Na obra isso é percebido e, então, busca-se corrigir, gastando mais do que o previsto.
Já o orçamento executivo pode causar aumento de custo se não for realizado um cronograma adequado para planejar a obra, definir o fluxo logístico e de abastecimento, e os turnos das equipes. O resultado é que o canteiro terá de se adaptar. “O último processo que antecede a obra é o plano de suprimentos. Se não for bem feito, exigirá que a construtora faça compras emergenciais, geralmente mais caras do que as planejadas”, acrescenta.
Por fim, há os erros de execução. O projeto pode ter sido adequadamente tratado, sem falhas de orçamento e de custos, mas com uma equipe de alvenaria mal treinada pelo encarregado, por exemplo. Com o prumo incorreto, a parede terá que ser demolida e refeita.
CAMINHOS
Se o custo estourou em 10%, a execução foi responsável por 5%. O restante foi por causas distribuídas entre os processos do projeto Luiz Gustavo Santos
De acordo com o engenheiro, a obra pode responder por até 50% do aumento de custo e prazo, dependendo da empresa. “Ou seja, se o custo estourou em 10%, a execução foi responsável por 5%. O restante foi por causas distribuídas entre os processos do projeto”, afirma. As falhas acontecem independentemente do porte das empresas, em maior ou menor proporção.
O histórico anterior a 2008 mostra que era mínimo o desvio de custo e prazo nas grandes empresas da construção civil. Os profissionais que ali atuavam há 20 ou 30 anos foram adquirindo a forma de desenvolver os processos e, quando necessário, transferiam esse conhecimento aos jovens recém-chegados. Era um padrão de gestão de execução que se repetia, sem a pressão de grandes volumes ou sobressaltos.
Com o aumento no volume de obras, os desvios cresceram de forma exponencial. Porque as empresas não tinham o processo estruturado para multiplicar as suas práticas, não havia nada documentado ou modelado Luiz Gustavo Santos
“Com o aumento no volume de obras, os desvios cresceram de forma exponencial. Porque as empresas não tinham o processo estruturado para multiplicar as suas práticas, não havia nada documentado ou modelado. Os novos profissionais faziam como achavam que era correto – e em todas as áreas envolvidas diretamente com o projeto. Foi quando começamos a ajudar essas empresas a identificar as causas dos desvios e a ter uma uniformidade nos processos, com o objetivo de reduzir os desvios”, conta.
FUTURO
Numa possível retomada da economia do país e, portanto, de aumento de demanda, no afã de voltar a crescer, as grandes empresas poderão ter, novamente, problemas com a margem de lucro. Isto se não cuidarem dos processos. “Será a reedição do paradigma que vigorou de que os preços elevados compensariam a ineficiência. O que não é verdade, pois assistimos a atrasos de até 15 meses na entrega de empreendimentos, que comprometeram gravemente a liquidez de muitas empresas”, lembra Santos.
Gerentes de projetos qualificados podem ajudar a estabelecer esse processo de gestão e de uniformidade nos processos. Porém, sozinho, eles não vão obter sucesso se a empresa não tomar a decisão de analisar as causas dos desvios e tratá-las. Além disso, o gerente de projetos não tem atuação no processo de novos negócios de incorporação.
“Ele não vai conseguir entrar no orçamento de lançamento, por exemplo. Ou seja, ele é piloto de um projeto cheio de problemas sobre o qual não tem autoridade formal”, diz. É fundamental que a direção da empresa tome consciência de que as causas nos desvios de custos e prazos estão em seus processos e que ela está perdendo dinheiro. “Ela será a liderança para que as mudanças aconteçam”, conclui.
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Colaboração técnica:
Luiz Gustavo Santos – Graduado em Engenharia Civil pela UFMG e mestre em Engenharia pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). Especialista em Marketing pela FGV e em Gestão Estratégica de Negócios pelo CEPEAD-UFMG. Certificado como PMP há mais de dez anos, possui vários artigos publicados em congressos e periódicos.
É sócio-diretor e atua como consultor na Falconi – Consultores de Resultado desde 2000, com experiência em vários segmentos da economia (organizações públicas e privadas), em especial, de construção. Antes, atuou na Andrade Gutierrez.