Nos primeiros estudos realizados pelo NORIE – Núcleo Orientado para a Inovação da Edificação, vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Sul – sobre perdas na construção civil, o objeto principal foram os materiais.
Fazia-se a medição de quanto material era comprado para a construção de uma edificação, quanto estava previsto no início do projeto, a diferença entre esses dois, para onde iam esses resíduos, e aí se definia uma linha de trabalho. Com o passar dos anos, o conceito de perda ficou mais amplo e hoje se fala em filosofias mais modernas de gestão.
“Hoje, podemos considerar como perda a mão de obra. Quando o material não chega no prazo, o operário fica parado, mas mesmo assim ele é pago. É uma perda de mão de obra. Outro exemplo é o profissional trabalhando com equipamentos inadequados, o que exige um esforço muito maior e reduz a produtividade, em decorrência do estresse físico e fadiga. Outros autores falam em fatores mais abstratos, como o lançamento no mercado de um produto que não atende as necessidades do cliente. O empreendimento é muito bem feito, mas não é exatamente o que as pessoas querem. Neste caso é uma perda de valor do produto”, define Carlos Torres Formoso, engenheiro e coordenador do Grupo de Gestão e Economia da Construção do NORIE.
A gestão de compras e suprimentos tem um papel importante nas perdas e, entre os pontos que se destacam, está a qualidade do material.
“Muitos materiais são perdidos exatamente por isso,quebram ou não apresentam um bom controle dimensional. Isso exige, por exemplo, a quebra de um bloco para poder encaixar na parede. A maneira como o material é entregue no canteiro também resulta em muitas perdas. Se o material chega em pallets, se é descarregado mecanicamente na obra, se existem formas fáceis de movimentá-lo, são questões relacionadas à perda de mão de obra”, explica Formoso, comentando que uma boa parte do esforço que as equipes têm na obra é a movimentação de materiais, atividade que não agrega valor.
“Às vezes o material é mais caro por unidade, como por exemplo o bloco ou o unitário de porta, mas ter uma forma de entrega mecanizada e rápida não depende só do fornecedor, mas também de como a obra está organizada. Ou seja, não adianta ter tudo isso se não é a hora exata de receber o material”, explica Formoso.
Para o professor, a situação ideal seria aquela em que todos os materiais fossem entregues em pallets na obra, assim ele sairia do caminhão direto ao local de uso final. “Ainda não é comum, mas há empresas que conseguem fazer isso, utilizando elementos pré-fabricados.
Muitas empresas se organizam de uma forma para receber, por exemplo, uma escada pré-fabricada. Ela sai do caminhão e já é colocada no lugar, enquanto o caminhão fica lá esperando descarregar tudo.
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Esse processo reduz o tempo de montagem, porque o manuseio é muito menor; reduz a possibilidade de quebra do material, uma vez que quanto mais pessoas manuseiam, maior a chance de danificar; e, principalmente, no caso de pré-moldados, reduz exposição ao risco, pois quanto mais se movimenta um material pré-fabricado em obra, maior o risco de acidentes. Quando se fala de perda, as pessoas tendem a pensar no entulho que sai da obra, mas há muitas outras perdas volumosas”, revela Formoso.
INTEGRAÇÃO DOS SETORES
Entre as dificuldades de gerir uma cadeia de compras ou de suprimentos para que não haja perdas está a falta de comunicação entre os setores.
“O setor de suprimentos não conversa com projeto/projetista e com a produção. Esse isolamento é algo muito prejudicial. Por exemplo, voltando ao caso da escada pré-fabricada, essa operação de descarregamento tem que ser planejada pela produção. E o material só será entregue depois que o processo estiver bem definido. Hoje, com baixos custos de sistemas computacionais, é possível até treinar as pessoas: faz-se um modelo igual ao da obra, simulando a chegada do material e a instalação antes de realizar a entrega em si. Basta a integração dos vários setores da empresa”, afirma Formoso.
O engenheiro diz que, muitas vezes, o gerente de suprimentos compra algo que acha que a obra precisa, não confere e não comunica sobre a compra que a obra não pediu.
“Essa conduta e os projetos inadequados levam à entrega do material cedo demais; ao não planejamento do layout pela obra, acarretando na falta de local de estocagem ideal; e à exposição do material, que acaba danificado”, diz Formoso.
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Não há uma causa principal de perdas. “Em geral as perdas ocorrem devido a um conjunto de coisas que acontecem simultaneamente: tem falha de projeto, a obra não está preparada para receber o material, o planejamento da obra não funcionou e entregou o material que chega e fica esperando. O que as pessoas não sabem é que é muito barato evitar esse tipo de perda. Elas pensam que é preciso de uma super tecnologia ou de fornecedores muito melhores. Não há problema em querer bons fornecedores, mas não é a dificuldade com o fornecedor, não é o mau tempo, ou algo externo que causam essas perdas. No conjunto dos fatores, a maioria das questões de perda é interno das empresas construtoras”, ensina Formoso, que continua.
“As perdas acontecem na obra, às vezes com perdas físicas de materiais, mas as principais causas, em geral, estão em etapas anteriores como no planejamento e no projeto. O que se perde de matéria-prima na obra é muito variável e depende da empresa e do material. O que vemos na construção civil é que há empresas com perdas relativamente pequenas, algo em torno de 3% a 5%, mas há empresas que perdem 40% dos materiais. É um número muito variável”, explica Formoso.
Para ele, é importante o trabalho da empresa construtora junto ao fornecedor para, juntos, evitarem as perdas. “Sabemos que agora o mercado está muito aquecido, e temos relatos de empresas construtoras que têm dificuldades em lidar com os fornecedores, principalmente quando se trata de materiais. É uma questão contextual e, possivelmente, as coisas mudem no futuro quando o mercado estiver mais calmo”, acredita o engenheiro.
Redação AECweb
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COLABOROU PARA ESTA MATÉRIA
CARLOS TORRES FORMOSO possui graduação em Engenharia Civil pela UFRGS (1980), mestrado em Engenharia Civil pela UFRGS (1986) e doutorado em Engenharia Civil – University of Salford (1991). Fez pós-doutorado na Universidade da Califórnia, Berkeley, EUA (1999-2000).
Atualmente é Professor Associado II da UFRGS e coordenador do Grupo de Gestão e Economia da Construção do Núcleo Orientado para a Inovação da Edificação (NORIE). É docente permanente do Programa de Pós-graduação em Engenharia Civil da UFRGS e faz parte do Conselho Editorial de seis revistas científicas internacionais e atualmente é um dos editores-chefe da Revista Ambiente Construído, publicada pela ANTAC.
É membro do Grupo de Assessoramento Técnico do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade no Habitat (PBQP-H). Atua na área de gerenciamento na construção civil, principalmente nos seguintes temas: projeto e gestão de sistemas de produção, produção enxuta (Lean Production), gestão da segurança do trabalho, aprendizagem organizacional, medição de desempenho de empresas e empreendimentos de construção, habitação de interesse social e gestão do processo de desenvolvimento do produto.