O risco de uma construtora ter assumido um contrato que pode sofrer desequilíbrio econômico-financeiro começa a merecer tratamento diferenciado por parte dos profissionais de gestão de projetos e dos advogados que militam na área da Construção Civil e infraestrutura. Para isso é necessário uma arbitragem judicial.

“Já temos instrumentos legais que permitem resolver essas questões em seis meses ou um ano, dentro da linha da Arbitragem Judicial. Isso evita que a ação passe pelo judiciário, onde pendências desse tipo podem se alongar por até 20 anos”, afirma Cláudio Dall’Acqua, diretor para a América do Sul da Pegasus-Global Holdings, e membro do conselho curador da FDTE, Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia.

Ele explica que devido ao grande volume de obras em todo o país, são inúmeros os conflitos entre contratantes e contratadas que surgem por conta dos riscos inerentes às falhas dos contratos.

Advogados e engenheiros são chamados a auxiliar seus clientes, em busca do reequilíbrio econômico financeiro dos contratos em andamento. “Abre-se um novo campo de trabalho para o gestor de projetos”, afirma.

Dall’Acqua explica que a vontade política de construir a infraestrutura que o país necessita faz com que o poder público não leve em consideração todos os passos necessários para contratar empresas de maneira adequada.

Na maioria dos casos, a licitação é feita com base em desenhos básicos e até de elementos de desenhos básicos, sem projeto definido, gerando riscos para as partes envolvidas.

Arbitragem e sua legislação

 

O ideal seria que os projetos fossem detalhados em desenhos executivos, aqueles que os profissionais conseguem ler e saber como construir, modificar, implantar e montar. ” Cláudio Dall’Acqua

O processo de contratação de obra pública no país é regido pela Lei 8666 de 21 de junho de 1993. Esta lei prevê que a licitação pode ser instalada com um projeto básico, composto por vários desenhos que permitem ao licitante apresentar um preço firme para aquele produto.

“O ideal”, diz, “seria que os projetos colocados para um produto em licitação fossem detalhados em desenhos executivos, aqueles que os profissionais conseguem ler e saber como construir, modificar, implantar, montar”.

Como isso ainda não é praticado, o espaço entre os desenhos básico e o executivo está sujeito a uma série de ocorrências. O órgão público pode alterar o projeto básico refletindo no executivo, ou ter especificado alguma coisa difícil de se atingir e se fornecer.

“Entre o que o poder público licitou e o produto que irá receber, tem um espaço que, conforme as intervenções durante a execução da obra, dele próprio ou de uma agência ambiental, pode desequilibrar financeiramente o projeto”, afirma.

E esses problemas, segundo Dall’Acqua, ocorrem com frequência, devido a falhas na lei, dificuldades dos funcionários em assumir responsabilidades, alteração do prazo de entrega, atraso do pagamento, elevação dos custos, mudanças nos desenhos básicos.

“Para restabelecer o equilíbrio contratual a administração pública precisa assumir a falha. Como isso não ocorre, as contratadas recorrem à Justiça”, afirma, ao comentar que esse tipo de pendência é um entrave para a economia e para o desenvolvimento da infraestrutura.

“Acredito que teríamos que discutir esse assunto entre a iniciativa privada, prestadores de serviços e governo para tentar solucionar o problema sem outras penalidades. Isso passa por significativas alterações nos modelos de contratação”, opina.

 

 

Mediação

 

Claudio Dall’Acqua diz que é preciso mudar o espírito corporativo e jurídico dos contratantes. Segundo ele, em qualquer contrato entre governo e empresa privada, as obrigações do contratado são desproporcionais às do contratante.

Para ser contratado, ele assume mais de 30 itens que dizem respeito às obrigações – entre elas, a entregar um bom produto – e assume uma série de cláusulas punitivas. “Como obrigações do contratante está a que ele deve pagar em dia, o que nunca acontece, zelar pelo patrimônio público e mais duas ou três”, diz.

Os jurídicos governamentais relutam em aceitar cláusulas de arbitragem, pois o governo tem por tese que deve recorrer até a última instância em qualquer disputa judicial, mesmo que esteja errado. “Isto é um prejuízo enorme para o país, porque são inúmeras as obras paradas e conflitos que podem ser evitados”.

Dall’Acqua lembra que existem soluções e, para que elas sejam equilibradas, é preciso ter profissionais experientes, que já tenham vivido em canteiros de obras e saibam identificar o quanto uma paralisação da frente de serviço gera distúrbios e perda de produtividade.

“Os gestores de projetos têm essa expertise. Normalmente são seniors da engenharia, capacitados a auxiliar os contratantes e contratados a enfrentarem essa situação”, ensina.

Ele alerta que os organismos multilaterais como o Banco Mundial, o BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento –, o Fomplata – Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata –, e a Comissão Andina de Fomento, já não financiam contratos de infraestrutura que não tenham cláusula de arbitragem.

“Nenhum desses organismos quer ficar subordinado à Justiça de nenhum país, o que força o governo a mudar de atitude. Por isso, vejo uma ampla atuação dos gestores de projetos para colocar nos trilhos o que está desalinhado”, diz.

Mudança nos contratos de arbitragem

 

O que tenho visto são os contratos referendarem esse esboço de cronograma, porque é tão amplo que permite tudo: não detalha as atividades, abrindo espaço para conflitos. ” Cláudio Dall’Acqua

Um grupo de engenheiros e advogados defende que, sem ferir a lei 8666 nem os direitos do governo, sejam colocadas cláusulas, chanceladas pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas, que regulamentem como resolver esses problemas que surgem ao longo do contrato.

“Vejo nisso uma maneira inteligente de regulamentar o que já existe. Isso é bom para o governo e para a iniciativa privada, e abre um campo de trabalho para os gestores de projetos, porque têm ampla visão de contratos e sabem como auxiliar seus clientes na prevenção dessas falhas”, afirma.

Hoje as pendências aparecem porque, quando o governo licita uma obra, ele apresenta um cronograma e preço estimativos, com poucos itens, tratando de maneira genérica fundação, arquitetura, montagens e estrutura, determinando um valor para a licitação e arbitragem.

“A correlação entre o que pagará por mês e o que irá receber de produto não existe nesta fase”. Há uma cláusula que estabelece ao contratante apresentar, em dez dias, um cronograma garantindo o cumprimento do prazo.

“O que tenho visto são os contratados referendarem esse esboço de cronograma, porque é tão amplo que permite tudo dentro dele, não detalha as atividades, os passos da obra, abrindo espaço para conflitos”, comenta.

Em sua opinião, a solução para evitar pendências é simples. “Se essa cláusula determinasse que o contratado deveria apresentar em dez dias um cronograma detalhado, com todas as atividades relacionadas à sua produção mensal e com o cronograma financeiro, isso não mudaria o contrato e permitiria que houvesse melhor gestão de cobrança”.

Dall’Acqua argumenta ainda que, caso o contratado não cumpra esse item, o contrato não deve ser efetivado. “Essa é uma boa gestão, entretanto, nem sempre as boas práticas estão alinhadas com os interesses políticos. Muitas vezes se penaliza quem presta serviços, quando na verdade o displicente é o contratante”, diz.

 

 

Gestor de projetos

 

A missão do gestor de projetos é colocar o produto em pé. Ele coordena as ações necessárias para que o produto se realize independente de ser do mercado imobiliário, setor industrial, químico ou infraestrutura.

Claudio Dall’Acqua ensina que o projeto em si é o sonho a ser realizado. Em sua concepção, “gerir o projeto é dar as condições para que esse sonho se materialize, desde a concepção até o momento em que entra em funcionamento”.

Ele explica que, no Brasil, projeto é entendido como desenho, quando na verdade é a forma pela qual se viabiliza um empreendimento. “É comum a pessoa afirmar que precisa fazer um projeto, quando na verdade vai criar um desenho que faz parte de um projeto maior, que compõe o produto”.

O gestor é o profissional que conhece todo o ciclo de um projeto, sabe por todas as fases pelas quais ele passa, desde a sua concepção, custos, qualidade, integração e os riscos envolvidos.

Esse profissional, segundo Dall’Acqua, tem uma visão holística do produto e do processo. Ele administra os vários especialistas, as necessidades da obra e os insumos. Faz a gestão dos recursos e responde pela integração e qualidade do produto.

Segundo ele, além de liderança e comunicação, o gestor precisa ter competência e conhecimento. “Não precisa ser especialista nas diversas fases do projeto, mas deve conhecer as atividades meio e as atividades fim. O gestor de projetos é o camarada que dá o equilíbrio para todas as interfaces da construção de um produto, para que o projeto tenha resultado”, afirma, ao dar um recado: “não se atrevam a construir um empreendimento sem ter um gestor de projetos”.

 

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Redação AECweb / Construmarket

 


Colaboração técnica

 

Claudio A. Dall’Acqua – Engenheiro Civil formado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), com pós-graduação e extensão profissional em Administração Financeira e Gestão de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV); em Contract Administration and Risk Management – Princeton – USA; em Gestão da Qualidade e Produtividade pela Fundação Vanzolini e Instituto de Engenharia; Árbitro da Câmara de Mediação e Arbitragem do Instituto de Engenharia e Engenheiro de Segurança do Trabalho, pela Escola de Engenharia da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP).

É diretor regional para a América do Sul da Pegasus-Global Holdings; sócio fundador da empresa DALL’ACQUA. Sócio fundador SMO – Participações e Empreendimentos. Exerce atividade cívica em entidades de classe e órgãos de desenvolvimento da engenharia como Upai – Pan American Federation of Engineers Societies; WFEO – World federations of Engineerig Organizations; FDTE – Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia – USP, Instituto de Engenharia–Brasil; Fiesp/Consea; IPT; CREA-SP; ASCE – American Society of Civil Engineers: Instituto Brasileiro do Direito e Construção (IBDIC).

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